Meu Cantinho Sertanejo 2000

Não fosse o último

Não fingimos que estava tudo bem. Não seria justo. Mas concordamos em decidir mais tarde o que seria de nós, e aproveitar as horas até meu ônibus, o último do dia.

Vimos um filme juntos. Ainda que não fosse bom, abafaria o silêncio, e me impediria de pensar demais, sentir demais. Algo para dizer que assistimos, que fizemos um com o outro, e apesar do outro.

Trocamos carícias como se estivéssemos mais apaixonados que nunca. Seu cheiro me foi mais intenso, seu toque, arrepiante. Mas havia urgência nos gestos. A certeza do fim, de saber que não tinha conserto, fez tudo intenso, eletrizante. Mas também mais frio, pragmático. Você não me mordia mais, e eu não te ameaçava com cócegas. Não conseguíamos mais rir: nossos beijos se tornaram longos, de olhos entreabertos, desconfiados.

Não sei descrever o que via em seus olhos. Se ainda era amor, não era como antes. Nunca mais seria como antes. Me enxergava em seu reflexo: mau, feio, incômodo. Longe de você.

Senti saudades antes mesmo do adeus.

Mesmo sabendo que não haveria próxima vez, que não poderíamos resolver nossas diferenças, desejei que o filme não terminasse. Que não existissem mais ônibus para casa, que o sol nunca mais se pusesse, e que pudéssemos adiar o fim para depois e para mais tarde e ainda mais tarde. Que eu pudesse ficar em seus braços por mais um dia, e mais um dia, e nunca precisar tomar qualquer decisão que me levasse para longe de você.

Nos soltamos quando os créditos começaram. E eu não tive coragem de te olhar. Especialmente nos seus olhos.

Nos despedimos com poucas palavras, nenhuma delas definitiva. “Pensar no caso”, “refletir um pouco”, “a gente se vê”, e um abraço como os de sempre – não fosse o último.

Cheguei em casa com o seu cheiro, com meus lábios sentidos. Tomei banho, escovei os dentes. Só não soube o que fazer para tirar o vazio que sua falta deixou.